Vivemos em um mundo feito para videntes. Somos moldados
pelas imagens que absorvemos a cada segundo, pelas palavras que nos atravessam
o ouvido e, principalmente, pelas impressões visuais que recebemos ao longo do dia.
A ideia de que "os olhos são a janela da alma" é tão arraigada em
nossa cultura que, muitas vezes, esquecemos de questioná-la. Mas, e quem não
enxerga? Será que essa janela continua a ser a única forma de acessar a alma?
A primeira dúvida que surge é simples: como é possível viver sem enxergar? E mais: como alguém poderia ser feliz e, ainda assim, compreender o mundo através de uma janela fechada? Se a visão é o que nos permite perceber a realidade, como lidar com a ausência dela? Mas, se pararmos para refletir, a dificuldade não está na janela fechada, mas nas portas que, por ela, não se abrem.
O mundo sem visão não nos priva da comunicação. Não nos
impede de compreender ou de nos locomover. Mas ele retira o que é superficial —
as imagens que nos ensinam a buscar coisas que achamos ser essenciais, mas que,
no fundo, não são. Nossos olhos, sempre tão atentos à busca incessante por mais
e mais, nos fazem esquecer do que realmente importa. Ao tirarmos o foco do que
é externo, começamos a olhar para o que está dentro.
Quando a visão se perde, o julgamento, baseado no que se vê,
se dissolve. De repente, somos forçados a abandonar o preconceito instantâneo
que nasce da aparência e, talvez por isso, deixamos de nos ferir tanto pelo
sofrimento alheio. A dor de ver a dor do outro desaparece, e passamos a sofrer
apenas pelo que é real, pelo que nos pertence. Sem a visão, nossa alma tem a
chance de se libertar dos excessos, e, ao invés de ser contaminada pela
constante comparação, aprende a se concentrar no que realmente é necessário.
Quando deixamos de enxergar, passamos a aprender a ver de
outra forma. E é aí que a verdadeira aprendizagem acontece. Enxergar não é mais
um processo ocular; é um processo corporal, profundo, do qual não conseguimos
mais escapar. Vemos nossas qualidades e defeitos, nossos limites e
possibilidades, e, mais importante, aprendemos a respeitá-los. Estamos longe de
ser perfeitos, mas, ao menos, podemos ver com clareza a nossa própria
humanidade.
Nos libertamos das sobrecargas mentais que antes nos
desgastavam — as notícias infinitas, as redes sociais inundadas de imagens e
informações vazias. A busca por sonhos tão distantes, que nunca se concretizam,
vai cedendo lugar para a quietude do presente. E, no final das contas, o que
importa é o que vivemos, não o que apenas vimos.
É curioso, porque, sem os olhos, não enxergamos a violência,
mas percebemos o choro. Não vemos a comida no prato, mas sentimos o gosto que
ela tem. Não enxergamos a coreografia, mas nos perdemos na dança. Vemos o
essencial, aquilo que realmente toca, que vai além da superfície. E talvez, só
talvez, seja isso que realmente importa.
E se os olhos são a janela da alma, o que acontece para quem
não enxerga? Será que a alma, nesse caso, está mais exposta, mais sensível,
mais atenta ao que está além das imagens? Enxergar não é apenas ver com os
olhos, é guardar tudo aquilo que percebemos com o coração e a mente. É viver o
momento presente, sem se importar com o que os outros vão pensar ou como o
mundo irá registrar. Não se trata de tirar uma foto, mas de sentir a cena com
todos os sentidos. Guardar na memória o cheiro, o riso, a sensação. É saber
que, quando revisitarmos aquele momento, as emoções estarão tão vivas quanto no
instante em que as experimentamos.
Quando os olhos não são a janela, talvez a alma tenha mais espaço para se expandir. E, então, aprendemos a ver com uma profundidade que vai além da visão ocular — aprendemos a ver com o coração. E isso, meus amigos, é uma verdadeira janela para o mundo.