A sociedade, em muitas ocasiões, tem uma percepção equivocada sobre o tratamento das pessoas com deficiência, principalmente aquelas que possuem limitações visuais. A inclusão, por um lado, é uma conquista importante, mas, por outro, a forma de abordar e tratar a pessoa cega pode ser um obstáculo para sua verdadeira integração. Um dos maiores problemas que ainda persiste em muitas interações sociais é o excesso de cuidado e solidariedade, muitas vezes disfarçados de respeito, mas que, na verdade, carregam atitudes capacitistas que negam à pessoa cega o direito de demonstrar suas reais capacidades.
Em muitos contextos, há uma tendência a tratar a pessoa cega com uma carga excessiva de "ajuda", que em vez de incentivar a autonomia e o protagonismo, reforça a ideia de incapacidade. Quando alguém age com um excesso de cuidado, pode estar, de maneira inadvertida, tratando a pessoa cega como alguém que precisa ser constantemente assistido, como se fosse incapaz de realizar tarefas simples e rotineiras. Esse tipo de abordagem, apesar de ser motivado por uma sensação de solidariedade, muitas vezes acaba sendo uma forma de imposição de limitações sobre o outro.
Um exemplo comum ocorre em espaços públicos, como no transporte coletivo. Ações como pegar uma pessoa cega pela mão, sem antes perguntar se ela necessita de ajuda, podem ser vistas como uma tentativa de "proteção", mas na realidade são um reflexo de uma visão capacitista que desconsidera a autonomia da pessoa cega. Ela pode, muitas vezes, se sentir desrespeitada por não ser questionada ou consultada sobre sua necessidade de ajuda, e, na maioria das vezes, deseja ser tratada de forma igual aos outros cidadãos.
Nem sempre o excesso de cuidado significa respeito. O cuidado excessivo pode ser um reflexo da visão estigmatizada da pessoa cega como uma figura fragilizada, que precisa ser tratada com "piedade". Essa atitude pode impedir que ela demonstre sua competência e potencial para lidar com as situações cotidianas. A solidariedade, embora bem-intencionada, precisa ser moderada, para não se transformar em uma forma de condescendência. A pessoa cega não precisa de pena, mas sim de compreensão e, principalmente, de oportunidades para mostrar suas habilidades.
A superproteção, em vez de ajudar, pode reforçar a ideia de que a pessoa cega está permanentemente dependente da caridade dos outros. Isso enfraquece sua autoestima e sua capacidade de se colocar no mundo como um sujeito pleno, capaz de contribuir para a sociedade de forma independente. Em vez de agir com comiseração, é necessário cultivar atitudes de respeito, que reconheçam a pessoa cega como alguém com plenas condições de desenvolver suas atividades da mesma forma que qualquer outra pessoa.
Para que a inclusão social de pessoas cegas se concretize de maneira eficaz, é fundamental que a sociedade adote uma postura de empatia, e não de pena. Compreender as necessidades reais da pessoa cega, respeitar suas escolhas e apoiar a busca por soluções que promovam sua autonomia são atitudes muito mais valiosas do que o simples "excesso de cuidado". A verdadeira solidariedade está na promoção de igualdade de oportunidades, e não no tratamento desigual que visa "proteger" em vez de capacitar.
Em suma, é necessário repensar o modo como tratamos as pessoas com deficiência visual. Respeito não significa superproteção, mas sim a capacidade de enxergar o outro como um ser humano com os mesmos direitos e deveres que qualquer outra pessoa. Ao valorizar a autonomia da pessoa cega e oferecer as oportunidades que ela necessita para desenvolver suas atividades cotidianas, estamos, de fato, respeitando sua dignidade e promovendo uma sociedade mais justa e inclusiva.
*Débora Camila de Oliveira é Deficiente Visual (cega), acadêmica de Jornalismo, palestrante, articulista, consultora em acessibilidade comunicativa.
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