ARTIGO - O futuro do Direito passa por prevenir litígios

A desembargadora Clarice Claudino da Silva explica como ampliar os benefícios do Direito para além dos processos judiciais. Ela participou de live com o advogado Ussiel Tavares, presidente do Instituto Mario Cardi Filho

De um lado, uma juíza com 33 anos de magistratura, reconhecida por disseminar métodos de consensualidade no sistema judiciário, praticante do Direito Sistêmico e da comunicação não-violenta. Do outro, um advogado experiente com 35 anos de atuação em processos civis, sendo muitos litigiosos. Porém, a distância entre eles é meramente física. Lado a lado no estúdio, Clarice Claudino da Silva, desembargadora, e Ussiel Tavares, advogado, concordam com a visão de que é possível ampliar os benefícios do Direito para além das sentenças resolvidas nos tribunais.

Clarice foi convidada por Ussiel para uma live do Instituto Mario Cardi Filho nesta semana. Fundador e presidente da organização, o advogado promoveu o encontro para homenagear seu antigo sócio, que dá nome ao instituto, e que completaria 62 anos no final de junho. Mario faleceu em 2014 devido a um câncer. “Ouvir Clarice nos inspira e nos faz pensar sobre o futuro da nossa profissão. Não vejo forma melhor para marcar a data e nos lembrarmos de Mario”, afirma Ussiel.

O convite foi aceito de bom grado e deu vazão a uma troca de ideias generosa e inspiradora. Para a desembargadora, que hoje dedica sua energia ao Núcleo Cultura de Paz, é plenamente possível ampliar os benefícios da prática do Direito e da Justiça para além dos processos litigiosos. “Podemos resolver um problema sem necessariamente termos um litígio judicial. Mas, para isso, precisamos de uma atitude sistêmica, que enxerga, escuta de maneira atenta o cliente e adota uma comunicação sem julgamentos”, explica.

Para que não restem dúvidas, Clarice cita uma figura de linguagem simples de entender e extremamente poderosa. “Maria e Paulo estão brigando por uma laranja. A solução mais intuitiva seria cortá-la ao meio. Mas, se ouvirmos atentamente Maria e Paulo, descobrimos que ela quer o sumo da fruta, e ele, a casca. Cortá-la ao meio não irá resolver nada para ninguém”, argumenta.

Com 35 anos de atuação no mercado, Ussiel pondera que os advogados, de forma geral, ainda têm resistências a essa quebra de paradigmas. “Ainda somos treinados para o litígio. A dinâmica da advocacia preventiva gera dúvidas. Alguns questionam a forma de pagamento, perguntam se irão perder os honorários. Ninguém quer ceder o espaço profissional duramente conquistado”, observa.

A desembargadora, co-autora do livro “Práticas Sistêmicas na Solução de Conflitos”, esclarece que o Direito Preventivo funciona no que ela chama de “formato ganha/ganha”. “Com um diálogo bem conduzido, ouvindo atentamente, conseguimos identificar o que verdadeiramente quer o cliente. É uma quebra de paradigmas porque empoderamos o cidadão, que passa a ser o protagonista. O advogado passa a atuar como um consultor e isso requer humildade por parte do profissional”.

A prática da advocacia permanece viva, pois o advogado é o profissional qualificado para orientar o cliente sobre outras formas de solucionar o conflito, evitando embate litigioso. “Levamos esse novo paradigma para a OAB-MT há alguns anos. Na época, o terreno era muito árido para essa forma de se pensar a atuação profissional. Aos poucos, começaram a nos ouvir. Hoje, temos mais de 4 mil profissionais qualificados para a conciliação em Mato Grosso”, comenta Clarice.

A magistrada explica que as “novidades” do Direito Sistêmico – que emprega o método de constelação familiar criado por Bert Hellinger no sistema judiciário – refletem, na verdade, respostas às demandas contemporâneas na área jurídica. “Inicialmente, tivemos a preocupação em abrir as portas da Justiça à população mais pobre. A partir de 1988, surge uma segunda onda, com a consolidação dos direitos fundamentais do cidadão. Pouco depois, temos a terceira onda, marcada pelo Código de Defesa do Consumidor, quando temos um aumento considerável no volume da litigiosidade”.

Na década de 2010, somente o Poder Judiciário de Mato Grosso atinge o patamar “insustentável” de mais de 100 milhões de processos em trâmite. “Como administrar tudo isso? A partir de então, a prioridade tornou-se ‘sair’ da Justiça, e não mais entrar, porque a conclusão dos processos era muito difícil. E isso ocorreu, e ainda ocorre, porque adotávamos um único remédio para toda e qualquer doença: a sentença judicial”, recorda a desembargadora.

“Quando percebi essa situação, passei a investir a minha energia e o meu tempo pessoal na causa da advocacia preventiva. Aprendi que a consensualidade traz leveza, gera relações mais saudáveis e é extremamente eficiente”, afirma.

Uma das áreas com melhor resultado no emprego do Direito Sistêmico como forma de se prevenir o litígio é a vara de família. “Muitos inventários familiares podem ser resolvidos de forma harmoniosa usando a constelação familiar. Se mal conduzidas, essas histórias podem não só empobrecer a estrutura familiar como um todo, como adoecer as pessoas. Com isso, todo um patrimônio não apenas material, mas emocional pode se perder”.

Quando questionada sobre o futuro do sistema judiciário e da prática do Direito, a desembargadora Clarice Claudino foi enfática a aponta o caminho que já antevê pela frente. “O que há alguns anos chamávamos de alternativo é, hoje, principal. Penso que a última porta deve ser a sentença, e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso não tem medido esforços em praticar essa forma de atuação”.

Confira como foi esse bate-papo na íntegra entre a magistrada e o advogado Ussiel Tavares clicando aqui: https://bit.ly/IMCF-ConviteaPaz .

Fonte: ASCOM - Redação DIALOG